30% dos domicílios no Brasil não têm acesso à internet; veja números que mostram dificuldades no ensino à distância

maio 26, 2020

Formação deficitária de professores, falta de equipamentos tecnológicos e condições precárias de saneamento básico são barreiras para educação remota durante a pandemia. Pesquisas do IBGE e do Cetic comprovam obstáculos.

Desde que as aulas presenciais foram suspensas, por causa da pandemia do novo coronavírus (Sars-CoV-2), as redes de ensino buscam alternativas de educação remota. Pesquisas mostram, no entanto, que há obstáculos para o ensino à distância, principalmente pelas limitações de acesso a tecnologias.

Segundo dados do levantamento “TIC Domicílios 2019”, formulado pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic), aproximadamente 30% dos lares no Brasil não têm acesso à internet.

O estudo mostra, inclusive, que há uma diferença significativa entre as classes sociais: em famílias cuja renda é de até um salário mínimo, metade não consegue navegar na rede em casa. Na classe A, apenas 1% não tem conexão.

Sem internet, merenda e lugar para estudar: veja obstáculos do ensino à distância na rede pública durante a pandemia de Covid-19

Dois meses após a suspensão de aulas presenciais, alunos, pais e professores relatam como está a educação durante a pandemia
(ATUALIZAÇÃO: O G1 havia informado que, pelo “TIC Kids Online Brasil 2018”, 66% das crianças e jovens não se conectam à internet em ambientes privados. Os organizadores da pesquisa esclarecem que o termo “ambiente privado” representa espaços em que as crianças ficam sozinhas.)

As pesquisas evidenciam também outras dificuldades:

  • casas sem espaço para estudar e sem saneamento básico;
  • falta de equipamentos como computadores e notebooks;
  • problemas na conexão à internet;
  • falta de formação dos professores para usar tecnologia na educação;
  • baixos índices de leitura.

Gabriel Corrêa, gerente de políticas educacionais da ONG Todos Pela Educação, afirma que as desigualdades já existiam, mas estão acentuadas durante a pandemia. “Precisamos buscar estratégias diferentes, porque os cenários variam muito no país. O ensino à distância pode usar a internet para os grupos que têm acesso a ela. Mas outras alternativas devem existir, como aulas pela TV ou distribuição de cadernos impressos de exercício”, diz.

Segundo ele, as atividades não vão substituir as aulas que estariam ocorrendo caso as escolas estivessem abertas, mas contribuirão para diminuir a defasagem de conteúdo e para evitar a evasão.

“Os alunos não podem perder o engajamento com a educação. Precisam manter o vínculo com o conteúdo e com os professores”, afirma.

Abaixo, veja outros números que evidenciam as dificuldades do ensino remoto no país:

Crianças sem acesso a saneamento básico, em casas lotadas

Antes de analisar questões tecnológicas, é preciso pensar em aspectos básicos das moradias. Em que condições os alunos ficarão em casa para estudar?
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2018 (Pnad), do IBGE, 17,3% das crianças de 0 a 14 anos moram em residências que não têm acesso à rede geral de abastecimento de água e 40,8%, em locais sem conexão com o sistema de esgoto.

Nas casas em que não há internet, as condições de saneamento são ainda piores: 29,3% sem rede de água e 60%, sem a de esgoto.
Outro problema é o adensamento populacional. A Pnad mostra que 15,1% das residências em que há adultos e crianças abrigam seis ou mais pessoas. Em 40%, há mais de três moradores por dormitório.

“Os problemas habitacionais também ficam mais evidentes. Temos domicílios com infraestrutura precária de iluminação e de saneamento. E há famílias de sete pessoas em imóveis pequenos, onde os alunos não terão silêncio para estudar”, explica Corrêa.
Famílias, em geral, só têm TV e celular

O equipamento que está mais presente nas residências brasileiras é o televisor (96%). Mesmo entre os mais pobres, das classes D e E, 92% têm o aparelho – mas apenas 9% com canais pagos da TV fechada.

“O uso da TV para a educação básica pode ser ocorrer por meio de videoaulas. Alguns professores são selecionados para gravar o material. A família deve ser informada de que, em determinado horário, vai ser exibida a aula de matemática do sétimo ano, por exemplo”, diz Corrêa.

Em segundo lugar, o equipamento mais comum é o celular, presente em 100% dos lares de classe A e em 84% nas camadas D e E.

No entanto, é preciso fazer uma ressalva.

“Não dá para achar que todos os alunos têm um celular à disposição deles. Há casas em que só existe um aparelho, usado pelo pai, por exemplo, que trabalha como motorista de aplicativo. O filho só vai poder acessar a internet à noite, depois do expediente”, afirma Corrêa.

Segundo a pesquisa TIC Domicílios 2018, que avalia o uso de tecnologias de informação nos domicílios brasileiros, os computadores portáteis continuam concentrados nas famílias mais ricas: na classe A, 90% têm notebook e 49%, tablet. Nas camadas D e E, os índices são de 3% e 4%, respectivamente.

Considerando o recorte regional, no Norte, apenas 19% dos lares têm ao menos um notebook. No Sudeste, que aparece em primeiro lugar, o índice é de 33%.

Ao mensurar o acesso apenas das crianças e jovens de 9 a 17 anos, 71% dos mais pobres que usam internet só acessam a rede pelo celular. Na classe AB, apenas 26% têm essa restrição – é mais comum ter também notebooks ou computadores de mesa em casa.

São números que devem ser levados em conta no ensino remoto. Os computadores ofereceriam condições de visualizar o conteúdo e os exercícios em uma tela maior.

“Os celulares estão longe de ser o melhor recurso para ver vídeo ou estudar. Além da questão da tela, existe outro problema: são associados às redes sociais. É mais difícil manter o engajamento do jovem quando, para assistir às aulas, ele precisa do mesmo aparelho usado em atividades não-escolares”, afirma Gabriel.

Segundo a pesquisa TIC Kids 2018, o WhatsApp é a rede social mais usada por crianças e jovens que têm acesso à internet – 70% dos que estão conectados têm conta no aplicativo. Em seguida, vêm Facebook (66%) e Instagram (45%).

No recorte por classe social, considerando também só os que têm acesso à internet, 81% dos alunos mais ricos trocam mensagens no WhatsApp. Nas classes DE, a porcentagem cai para 63%.
Acesso à internet é limitado

Dados do IBGE mostram que o menor índice de lares conectados à internet está no Nordeste, com 69,1%. Ou seja: mais de 30% das residências da região estão off-line.

Se considerarmos apenas a zona rural no país, o quadro é muito pior: menos de 50% das casas têm acesso à rede. No Norte, 77% das famílias fora da zona urbana estão desconectadas.
Marcus Vinicius Maltempi, vice-coordenador do Instituto de Educação e Pesquisa em Práticas Pedagógicas da Unesp, afirma que as políticas públicas devem se voltar para as famílias que não têm acesso a tecnologias.

“A solidariedade é fundamental – oferecer ajuda à comunidade, aos vizinhos -, mas não é suficiente. A ação governamental é essencial”, diz. “Podem ser feitas parcerias com empresas de telefonia, por exemplo, para melhorar a rede móvel.”

Uso da internet para falar com professor é incomum

Os números mostram que os alunos com acesso à internet tendem a usá-la, nas atividades escolares, para fazer trabalhos e estudar para a prova. Eles não têm o costume de usar a rede para falar com o professor, por exemplo – nas escolas públicas, apenas 24% têm esse hábito.

É um desafio mudar a prática durante a quarentena e estimular que seja mantido um diálogo entre docentes e estudantes. “As escolas estão sofrendo porque, mesmo em momentos de normalidade, já não tinham um canal de conexão com as famílias. Agora, mais do que nunca, é importante fortalecer essa relação”, diz Gabriel Corrêa.

“Não sabemos quanto tempo a pandemia vai durar. Manter o vínculo com os professores pode ajudar a evitar a perda de engajamento e a evasão”, completa.

Crianças não têm hábito de leitura

Os sistemas de ensino precisam elaborar diferentes estratégias para promover o engajamento das famílias. Devem considerar que há pais com baixo nível de escolaridade ou com agendas atribuladas de trabalho.

No período de alfabetização, segundo Corrêa, o papel dos familiares é ainda mais importante. Não se deve exigir que o processo de letramento seja feito em casa – mas os pais devem ser orientados a incentivar o contato com os livros.

“É importante em qualquer faixa etária, para a melhora do desempenho acadêmico. A gente foca muito no conteúdo, mas esquece que a literatura traz benefícios em todas as disciplinas. A habilidade de interpretar textos é essencial até mesmo em matemática, para entender os problemas”, diz.

“Devemos orientar as famílias. No caso de pais analfabetos ou que não tenham livros em casa, a rede de ensino pode enviar as obras pelo correio”, sugere Gabriel.

Mesmo que ninguém saiba ler em casa, os adultos podem mostrar as ilustrações para a criança e criar uma história com ela. O mais importante é ter o momento de contato com a literatura.

Segundo a pesquisa Retratos da Leitura 2016, edição mais recente feita pelo Instituto Pró-Livro, entre os alunos do ensino fundamental I (1º ao 5º ano), metade afirma que não leu nenhum livro nos últimos três meses.

Formação dos professores não abarca questões tecnológicas

Uma pesquisa do Instituto Península, realizada entre os dias 13 de abril e 14 de maio de 2020, entrevistou 7.734 mil docentes de todo o país e concluiu que 83% ainda se sentem despreparados para ensinar à distância.

Segundo Corrêa, os cursos de graduação não costumam abordar de forma aprofundada o uso de tecnologias no ensino. “Os professores têm o hábito de usar celular e computador na vida pessoal, mas não com fins pedagógicos”, afirma.

De acordo com a pesquisa TIC Educação 2018, apenas 42% dos docentes, quando estavam na universidade, fizeram alguma atividade relacionada ao uso da internet na educação.

O problema poderia ser reparado por programas de formação continuada. Mas, pelo que o levantamento mostra, a solução não está sendo adotada: 77% dos professores de escola pública e 81% dos docentes da rede privada não participaram de cursos sobre o uso de computadores nas atividades escolares.

“Sem formação, o professor vai ter ainda mais obstáculos. Pode ser que filme as aulas e depois passe os vídeos para os alunos, mas vão ficar longos e cansativos. Como diversificar, pensar diferente?”, questiona Maltempi, da Unesp.

“O docente já está sobrecarregado, usando recursos dele (computador dele, internet dele, casa dele), acumulando tudo com serviços domésticos. É um desafio muito grande”, completa.
A pesquisa do Cetic também mostra quais são os principais problemas apontados pelos professores nas tentativas de adotar a tecnologia no dia a dia da escola. O número insuficiente de computadores conectados à internet é mencionado por 91% dos que trabalham na rede municipal e por 45% dos que estão em colégios particulares.

A baixa velocidade de conexão é apontada por 85% dos docentes de escolas estaduais – na rede particular, é um índice bem menor, de 45%. Outras questões citadas são: equipamentos ultrapassados, falta de preparo para saber usar internet na educação e ausência de suporte técnico.

“A escola precisa disponibilizar aos professores o acesso à tecnologia, além de dar maior tempo para elaborarem o material. Isso requer um processo de formação”, diz Maurício Canuto, professor do Instituto Singularidades.

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